quinta-feira, 15 de junho de 2017

Mergulhe no seu tema


Como jornalista e escritor, sempre busco o máximo de informações sobre aquilo que escrevo. Não há novidade nisso. Todo bom jornalista ou escritor o pratica em alguma medida. Mas buscar informação não significa apenas ler sobre o assunto. Há várias formas de mergulhar em um tema. Pela visão, pelo olfato, pelo tato, pela lógica, pela intuição.
Quando comecei a escrever meu relato biográfico Meu caro H, em 1999, eu tinha um tema: a experiência de um soropositivo. Envolvido com o elemento biológico (o vírus) e o cultural (o estigma social desse vírus), produzi as primeiras páginas do livro, que foram bastante intensas. Com o início da escrita, porém, logo percebi que meu tema não se restringia apenas a essa experiência: ele era bem mais amplo. Tratava-se da luta pela sobrevivência de qualquer ser humano diante de uma situação limite.
Isso me levou a buscar outros exemplos de superação que não apenas os das minhas circunstâncias. E outras formas de expressão. Lembro de ter buscado inspiração em Picasso, que fazia incursões solitárias pelos cemitérios de Paris para estudar a forma das letras nas lápides. Então veio uma fase fecunda da escrita, repleta de insights e aprendizados.
Motivado por essa disposição de espírito, decidi assistir à peça Cartas de Rodez, baseada nas cartas que o dramaturgo francês Antonin Artaud escrevia a seu médico, no manicômio de Rodez, na França, com o intuito de diminuir as aplicações de eletrochoque a que era submetido.
Contei com a sorte de aquela montagem estar sendo encenada no porão do Centro Cultural São Paulo, um ambiente apropriadamente lúgubre, impregnado do cheiro de incenso e mirra, com bonecos enrolados com faixas brancas, como múmias, estrategicamente posicionados em alguns lugares da plateia. Eu mesmo sentei do lado de um deles, não sem um tremor na alma.
Assim que nos acomodamos, fomos nos dando conta de que o boneco que se encontrava na cadeira, no centro do palco, também enrolado em panos, não era um boneco, mas o ator, que após infinitos minutos começou a se mover lentamente, a se livrar das faixas e a dizer o monólogo.
O impacto dessa peça sobre mim foi arrebatador. Saí do teatro aturdido, me sentei numa banco e comecei a escrever como um alucinado. Não o meu relato, mas a descrição do que os meus sentidos haviam experimentado. Queria registrar as sensações daquele momento. Ali eu havia me encontrado no meu texto e sentido o lampejo de que havia muitas outras situações sobre as quais escrever. Havia mobilizado em mim possibilidades infinitas e fecundas, que, sem aquela experiência radical, talvez jamais tivesse vislumbrado.
Foto: Divulgação/Amok